QUANDO TE FOSTE EMBORA

Vou pegar na solidão em que me deixaste e atirá-la porta fora, vou mandá-la para bem longe, para um sítio em que ela não me olhe e que eu não a sinta sequer, fartei-me de a carregar sobre os ombros e dizer a ela que era a minha melhor amiga, espero não sentir falta dela.

Dela não sinto, mas de ti... o meu orgulho completamente ferido, por dentro tudo esquecido, mas quando te fores embora fecha a porta, era assim que eu dizia, pois por entre a corrente de ar pode voltar a solidão, que sinto com ou sem ti, mas quando não estás sinto-a, sinto-a muito mais forte quase que entra e se senta à mesa comigo e eu olho para ela e percebo: dois pobres seres sentados aqui, um deles pensando em ti e tu sabes qual é!

Ela não me olha nos olhos, não me fala cara a cara mas dói-me e é uma dor forte que não sai do corpo, que não sai da cabeça, que envolve e que me amarga a pequena alma que carrego... ah esquece, já nem carrego alma, só carrego a solidão, a solidão dos dias perdidos, dos amigos escondidos, sei onde eles estão e eles ao não me verem também já sabem onde eu estou. Estou farto de ver sempre as mesmas caras, aquelas de enterro, aquelas de desespero em que se encontra a minha por não saber que te tinha. Mas será que te tinha?

Ao meu lado não eras tu, já estava ela aquela que se senta comigo à mesa cheia de beleza que é pura de natureza, transpira dor, cor cinzenta, dor, aquela que sementa este triste ser amargo dentro de mim e tudo ficou pior desde o dia em que te foste embora!

É curioso pensar que te tinha quando na verdade se calhar até nunca foste minha, mas deixar de te ver deixou-me mais amargo, mais desanimado, desconfiado, desacreditado, senti-me desamado por tudo, senti-me amado por nada, o nada que me queria, que me via, que me cuidava e sem querer magoar o nada magoei-me a mim, mas parei e pensei: nada? mas eu não sou...

Pois já sei o resto da história que na minha lembrança ficou, já nem tenho memória às vezes, lembro-me de uns poucos bons momentos mas é triste pensar assim, dizer assim, poucos bons? Será que algo que sabe a tão pouco pode ser verdadeiramente bom? Ou podemos pensar daquela maneira que nos alegra o dia, "foi bom enquanto durou"...

Já nem sequer te via mas sei que estava por perto, ou se calhar até não, não fiz menção de te questionar porque tudo o que é questionado leva à dúvida e eu duvido que estivesses lá para me ouvir gritar porque quem me ouve gritar não sabe o que está a ouvir, e quando eu grito, é tudo mentira e quando eu choro não é verdade e ao ver-te eu sentia a tua vaidade, ansiosa por te mostrares ao mundo como o mundo era, mas o mundo nunca é nem nunca foi só a casa de uma pessoa, hoje pode ser a minha amanhã saio de casa e quando volto perco-me no tempo e choro. Quando sei que uma pequena pausa faz bem, mas na verdade só me faz lembrar de ti, tudo me faz lembrar de ti, não eras apenas mais um corpo que estava aqui e que eu olhava e convivia, eras a paixão viciante, eras a alegria, como pudeste partir assim? 

Nem tu sabias, nem eu sabia, fiquei desesperado, o vento passava e eu sentia o teu cheiro, sentia que aquele vento te ia trazer de volta, tu eras, tu sempre foste diferente, eu sei que tu sempre foste diferente, tu nunca me soubeste a pouco e foste para mim o que eu não fui para ti, mas hoje eu já não te ouço, não sei se me ouves, triste por dentro, alegre por fora, nunca soube conquistar, mas conquistava sabendo, sabendo que estavas algures por aqui, é claro que nunca imaginei o que iria vir, mas é sempre triste chorar por ti, quando foste a pessoa que me ensinou a sorrir, chorar nunca ninguém me ensinou, então como é que o consigo fazer? Acho que a tua partida me ensinou a fazê-lo.

Não sei se o mar te vai trazer já que o vento não me soube responder, bati no vento mas ele é mais forte que eu, atirei pedras ao mar, elas foram engolidas, olhei para o céu e depois para o chão, depois fui em frente, foste tu que disseste que era cedo para olhar para trás e caminhei sem ti pela primeira vez, desejando que fosse também a última, mas não foi e tu já não estás mais aqui e eu já não sonho mais sem ti, sem ti ficou tudo mais negro, vivo na escuridão, corri em frente e não te vi mas se for sempre em frente ainda hei-de ver o que perdi.

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